I – Introduo 5t56k

Preservar o meio ambiente e ao mesmo tempo criar alternativas sustentveis de renda para comunidades foi o grande desafio assumido pela Universidade Federal Fluminense, atravs de uma sua unidade de estudos e pesquisa, o “Ncleo de Estudos em Inovao, Conhecimento e Trabalho – NEICT/UFF”, ao pensar em desenvolver uma ao de extenso universitria na regio do Alto Aiuruoca, atendendo solicitao da respectiva associao de moradores. Trata-se de uma regio fazendo parte municpio de Itamonte e situada no Parque Nacional de Itatiaia, fazendo parte da APA (rea de Proteo Ambiental) da Serra da Mantiqueira, no Estado de Minas Gerais, Brasil

Um plano de ao ou ento a ser concebido pelo O NEICT/UFF, no qual esperava-se a participao, alem da associao de moradores, indo desde a prefeitura local aos rgos federais e do prprio Estado de Minas Gerais pertinentes ao assunto, aos pesquisadores e laboratrios da Universidade Federal Fluminense, ando pela definio das fossas spticas e dos viveiros a serem utilizados pela comunidade local.

Na ocasio, nos idos de 2003, houve a divulgao de uma “Chamada para Financiamento Projetos”, feita pelo Programa Petrobras Ambiental. O plano de ao que estava sendo concebido foi ento ajustado de modo a fazer frente aos requerimentos constantes na dita chamada.

Este assim ultimado plano de ao, que carregava em si a definio a definio dos papeis a serem exercidos por todas as entidades arroladas, foi ento submetido ao programa Petrobrs Ambiental, denominado como “Projeto Alto Aiuruoca Sustentvel” (PAAS); projeto este analisado e aprovado pelo comit examinador, ando pois a contar com os recursos financeiros para a sua implementao, em um horizonte de tempo de dois anos (2004 a 2006).

A implementao do PAAS foi considerada um sucesso, na medida em que os resultados efetivamente alcanados foram bem acima das metas previstas no projeto, com o NEICT/UFF sendo reconhecido pelo bom desempenho que teve tanto na concepo quanto na implementao do PAAS.

Neste artigo pretendemos ir alm desta constatao, do sucesso do PAAS. Num primeiro momento queremos caracterizar tanto o processo de concepo como o processo de implementao do PAAS.

Para o primeiro, nos valemos da reconstruo de todo o processo de montagem tendo em vista os depoimentos colhidos pelos atores envolvidos na montagem do PAAS, acerca do papel do NEICT/UFF enquanto que construtor do script, da montagem do PAAS.

Poderamos fazer o mesmo para a anlise do processo de implantao do PAAS mas para extrairmos toda a complexidade que permeia uma implantao de um projeto, nos valemos da Teoria Ator-Rede, trazendo a tona toda a heterogeneidade inerente ao processo envolvendo associao de moradores, unidade acadmica, prefeituras, programas de fomento sustentabilidade, fossas, viveiros etc.

com base nesta teoria que a anlise da implantao do PAAS por nos feita, na perspectiva da formao de uma rede, de uma ordenao dos atores envolvidos, humanos e no-humanos, entendendo os atributos dos atores no como algo inerente aos mesmos mas sim como “efeitos” oriundos da participao deles na rede. Atravs deste entendimento que as diferenas entre o papel do NEICT/UFF na fase de concepo e na fase de implementao fazem sentido.

O detalhamento e as implicaes do processo da concepo do PAAS, ou seja, da construo do script e do papel desempenhado pelo NECIT/UFF so apresentados na prxima seo.

Para a anlise do processo de implementao do PAAS, da diferena entre implementao e construo do , e do novo papel do NEICT/UFF, apresentada na seo quarta deste artigo, nos valemos de algumas consideraes pertinentes Teoria Ator-Rede, sumariamente apresentada na seo trs.

Terminamos o artigo com as principais concluses, seguidas das referencias bibliogrficas.

II- A concepo do paas / a construo do script 91y2w

O PAAS, sua genesis 54636y

A regio do Alto Aiuruoca, no municpio de Itamonte, no Estado de Minas Gerais, considerada como paraso ecolgico, de clima ameno, com farta vegetao de mata atlntica, cachoeiras e montanhas.

Trata-se de uma regio que vinha ando por um processo de degradao ambiental, que vinha ocasionando uma reincidncia de surtos de doenas, como hepatite, em funo da contaminao da gua dos rios; um declnio da atividade agrcola produtiva (apicultura, gado leiteiro, agricultura de subsistncia e extrativismo); e um crescimento de turismo desordenado e de especulao imobiliria (PRATA FILHO et al, 2008).

A busca de uma alternativa a essa degradao ambiental colocou lado a lado um professor universitrio (do NEICT/UFF), conhecedor desta regio, e membros da Associao de Amigos, Vizinhos e Moradores de Serra Negra (AAVM Serra Negra).

Comeou-se ento a se conceber um plano de ao tendo como objetivos gerais: (i) contribuir para a preservao do meio ambiente e (ii) criar alternativas sustentveis de renda para a populao local.

O PAAS, sua montagem. 4f685g

Ao mesmo tempo em que elaborava o plano sentia-se a necessidade de encontrar recursos para viabiliz-lo. Foi quando, ainda em outubro deste mesmo ano de 2003, o representante do NEICT/UFF identificou uma oportunidade ao tomar conhecimento do lanamento do primeiro edital do Programa Petrobras Ambiental, que contemplava financiamento a projetos que se encaixassem em sua linhas prioritrias.

Para o plano que estava sendo concebido, percebia-se que havia uma identificao do mesmo para com duas das linhas prioritrias colocadas pelo referido edital, a saber: gesto de corpos hdricos superficiais e subterrneos; e recuperao ou conservao de espcies e ambientes costeiros de gua doce. Havia ainda no edital a exigncia de que todos os projetos contemplassem como tema transversal a educao ambiental, o que tambm estava alinhado com os desejos da comunidade local.

Conforme tnhamos mencionado acima, o plano de ao que estava sendo concebido tinha como premissa atender a dois objetivos gerais, dos quais um deles no era em principio alinhado com as diretrizes do Programa Ambiental. Estamos falando do segundo objetivo, que dizia respeito a criao de alternativas de renda para a populao local.

Para que houvesse alinhamento, seria necessrio que as aes concebidas no plano para a gerao de renda fossem relacionadas questo ambiental, para que fossem iveis de serem financiadas pelo Programa.

O NEICT/UFF, em comum acordo com a Associao de Amigos, Vizinhos e Moradores de Serra Negra (AAVM Serra Negra), em busca de um alinhamento s condies estabelecidas no Programa Petrobras Ambiental, redesenhou os objetivos gerais do seu plano de ao de modo a ficar com os seguintes: (1). Construo de fossas sanitrias nas moradias dos participantes do projeto; (2) Recuperao da cobertura vegetal das nascentes dos entornos dos cursos d'gua; (3) Melhorias na coleta de lixo da regio; (4) Promover o desenvolvimento da conscientizao ambiental dos moradores; (5) Construo da sede da Associao de Moradores e Amigos de Serra Negra; (6) Capacitao em Agricultura Orgnica e outras culturas sustentveis; (7) Desenvolvimento do Ecoturismo e Turismo rural na regio.

No Edital deste Programa Petrobras Ambiental constava tambm critrios que seriam utilizados para a aprovao de projetos, incluindo o Critrio Participao da comunidade (capacidade de mobilizao e protagonismo da comunidade, garantindo legitimidade ao processo); o Critrio Articulao (disposio e capacidade de cooperao entre entidades mediante redes); o Critrio Capacidade institucional do proponente (experincia comprovada da equipe tcnica prevista), e o Critrio Impacto socioambiental (resultado mensurvel, em termos quantitativos e qualitativos, das transformaes estabelecidas pelo projeto).

Na elaborao do plano de ao, de modo a torn-lo adequado as critrios do Edital, o NEICT/UFF ou a convidar instituies a serem parceiras, definindo papeis a serem desempenhados por elas numa eventual implementao do plano, tendo em vista melhor atender os critrios acima mencionados.

Assim, em ateno ao Critrio Participao da comunidade, o NEICT/UFF articulou para que a Associao Comunitria dos Amigos, Vizinhos e Moradores da Serra Negra (ACAVMSN) fosse a proponente do projeto a ser submetido, ficando com ele com a coordenao do projeto;

Com vistas atender o Critrio Articulao, o NEICT/UFF solicitou e obteve cartas com manifestaes de interesses em cooperao, de diversos organismos da regio, como a Prefeitura de Itamonte, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), EMATER-MG (Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural de Minas Gerais).

Para o atendimento do Critrio Capacidade institucional do proponente, foi obtido uma manifestao de interesse por parte de professores, pesquisadores e alunos da UFF das reas de turismo, engenharias de produo, agrcola, qumica e civil, formando uma equipe multidisciplinar. Foram tambm articulados acordos de cooperao com SENAR (Servio Nacional de Aprendizagem Rural) para realizao de cursos e EMATER-MG (Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural de Minas Gerais) devido experincia em projetos de reflorestamento. Foi acertada a participao da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria) para orientao sobre opes de tecnologia nacional de fossas;

Um ltimo ponto na elaborao do plano de ao foi a adequao dos objetivos ao critrio impacto socioambiental. Para cada um dos objetivos especficos j citados aes foram definidas e os resultados esperados foram indicados (Quadro I, anexo).

O NEICT/UFF ento assim elaborou o plano de ao , assim construiu o script, assim montou o projeto intitulado “Projeto Alto-Aiurouca Sustentvel” (PAAS).

Este projeto foi ento submetido ao Programa Petrobrs Ambiental, foi analisado, selecionado e finalmente aprovado, recebendo os recursos solicitados para a sua implementao.

III – O PAAS: agem da montagem para a implementao i386t

Implcito no processo de montagem do PAAS est a idia de construo. O NEICT/UFF se afigura como o construtor do script, indicando o papel reservado para cada uma das entidades arroladas, com base em manifestaes de interesse, de intenes..

O PAAS assim montado, enquanto que concepo, apenas um script construdo com base em intenes. Ele se materializa, se concretiza, quando da sua implementao, quando praticado, possibilitado pelos recursos disponibilizados devido a sua aprovao por parte do Programa Ambiental da Petrobrs.

O PAAS foi implementado, como adiantado na introduo deste artigo, e foi considerado um sucesso, na medida em que praticamente todas as suas metas foram atingidas.

O sucesso porm acaba induzindo a que o processo de implantao do PAAS seja considerado nos mesmos termos do processo da montagem do PAAS. Certamente que construir um script, montar um projeto, conceber um plano de ao, no uma tarefa nada simples. Lida-se no plano das intenes, onde credibilidade e confiana so atributos essenciais na construo do script, na adeso simblica, em principio, de cada uma e uma de cada vez das entidades arroladas no script. Foi assim que o NEICT/UFF construiu o script, procedendo a montagem do PAAS.

Na fase da implementao o que toma lugar o que se desenrola na prtica, um processo de ordenao das entidades arroladas, de formao de rede.

No se est mais no plano das intenes, numa situao em que as entidades so arroladas de forma independente, caracterstica da fase de concepo. Na fase de implementao as entidades ficam ordenadas, o comportamento de cada uma delas afeta e ao mesmo tempo afetada pelo comportamento das demais.

comum situaes onde, a despeito do cuidado havido na fase da montagem, da construo do script, por ocasio da fase da montagem, o que estava previsto no acontece, o construtor do script perde o controle, a ordenao das entidades se d a revelia do mesmo, entidades assumindo papeis outros que os a elas reservados no script.

No h nada surpreendente nisso, se levarmos em conta que so dois processos diferentes, o da montagem e o da ordenao. Na seo anterior descrevemos o processo de montagem; para uma melhor compreenso do processo de ordenao nos parece mais conveniente entend-lo como a partir de conceitos da Teoria Ator-Rede, cujo nome carrega em si justamente essa dicotomia entre ator e a rede em que ele participa, o fato de definir e ser definido por ela.

Como introduo aos conceitos da teoria ator-rede, para uma melhor compreenso deles, nos valemos de um estudo feito a propsito lanamento do Veculo Eltrico na Frana, na dcada de 1970, estudo este feito por Michel Callon, um dos proponentes da Teoria Ator-Rede (Callon, 1980, 1987).

Trata-se do caso em que a empresa estatal de eletricidade da Frana, EDF, por haver - na ocasio - concludo que a era do hidrocarboneto estava chegando ao fim, props ento um veculo eltrico alimentado por baterias. A EDF faria o motor, a RENAULT a carroceria e os consumidores adaptariam ento seus estilos de vida. O que aconteceu que o veculo eltrico assim concebido no foi produzido. No se conseguiu desenvolver uma bateria contento, a RENAULT no se conformou com o papel secundrio a ela destinado pela EDF, as prefeituras no queriam comprar nibus eltricos que serviriam para popularizar a nova tecnologia etc.

Num primeiro momento havia a EDF concebendo seu programa para o desenvolvimento de um veculo eltrico, como um script ou um cenrio no qual os papeis dos atores envolvidos, sejam eltrons, catlises, acumuladores, usurios,pesquisadores, manufaturadores e rgos ministeriais, so muito bem definidos e as relaes entre eles muito bem estabelecidas.

A harmonia que existia no script no se consumou na prtica, na fase da implementao, os atores no se sujeitaram a desempenhar os papeis a eles previamente reservados.

Quando da operacionalizao do script, na ordenao resultante, a Renault, por exemplo, ficou como sendo a clssica Renault, renomada fabricante de automveis, se recusando a assumir um papel de mero coadjuvante a ela reservada no script da EDF.

No processo de ordenao a EDF a a ser mais um ator a buscar um ordenamento que lhe seja satisfatrio; atores definem seus papeis e ao mesmo tempo tem seus papeis definidos pelo conjunto deles, num equilbrio entre ordenar e ser ordenado, num equilbrio precrio e temporrio, vel de ser reajustado na medida que qualquer um dos atores se modifica.

Para avanarmos nas nossas consideraes sobre o processo de ordenao, com base em conceitos da Teoria Ator-Rede, apresentamos a seguir de forma resumida alguns elementos desta teoria.

IV- A teoria Ator-Rede 5c1n1m

A Teoria Ator-Rede originou-se no campo dos Estudos em Cincia e Tecnologia, a partir de estudos desenvolvidos entre o final da dcada de 1970 e o inicio da dcada de 1980, principalmente os de autoria de Bruno Latour, John Law e Michel Callon. (Callon 1980, 1986, 1987; Latour 1981, 1987; Latour and Woolgar 1979; Law 1986,1987)

Ela se apresentou como uma alternativa tanto ao determinismo tecnolgico quanto ao determinismo social, numa perspectiva de entender os processos pelos quais coisas e relaes sociais so construdas (as assim chamadas ordenaes), como um resultado de associaes entre os elementos heterogneos, humanos e no humanos, constitutivos dos mesmos.

Para a Teoria Ator-Rede, processos de ordenao se do atravs de translaes, ao trabalho pelos quais os atores modificam, deslocam ou transladam seus variveis e contraditrios interesses, na tentativa de torn-los comuns. Estudos de caso sobre ordenaes, sobre montagem de sistemas, sempre estiveram presentes na Teoria Ator-Rede, a comear pelo trabalho de Callon sobre o “Veculo Eltrico”, acima comentado.

Juntos e assim ordenados os atores se associam formando uma rede, de difcil estabilizao dado que esses atores tendem a reverter para os seus papis prvios ou a tomar os dos outros, fazendo com que o sistema ou a rede se desarticule, como tambm comentado por Callon.

Na rede definida pela ordenao, os atores assim se associam de tal forma que cada ator contribui para a definio da rede e, por outro lado, cada ator tambm redefinido pela rede. O prprio termo “Ator-Rede” porta em si mesmo a representao do ator e da rede, denotando que, ao contrario de serem duais (ator/rede), os atores so, na verdade, efeitos das redes (LAW, 1999).

Relaes precrias, a lgica da translao, a preocupao com materiais de diversas ordens, com como tudo fica junto caso fiquem, esses so as preocupaes intelectuais da Teoria Ator-Rede, consolidadas face aos seus recentes avanos conceituais, incorporados nos trabalhos de Latour (1999a, 1999b, 2005), Law (1999), Law e Mol (2002).